Com início hoje, Dia Nacional da Cultura Científica, decorre até Domingo a Semana da Ciência e Tecnologia. Embora o programa esteja em actualização, o sítio da Internet dedicado a este acontecimento anuncia, para já, 268 eventos a ter lugar em vários pontos do país.
Aqueles que estão menos por dentro destas questões, e que ouvem falar constantemente em Plano Tecnológico, programas e-escola e e-escolinha (vulgo Magalhães) e outras coisas que tal, até podem pensar no nosso país de dá muito valor a quem faz ciência. Mas porque a realidade é bem diferente decidi transcrever aqui um artigo publicado há um mês no jornal O Público e que bem se adequa à ocasião.
Cientistas em saldos
25.10.2008 - 17h17 David Marçal
Sabia que há cientistas que ganham 745 euros? Que não têm direito a subsídio de desemprego, férias, Natal ou alimentação? Que não são aumentados há seis anos? Está naturalmente curioso de saber em que país, mas estou certo de que já adivinhou.
São os bolseiros de investigação científica! Uma designação infeliz para os jovens (e menos jovens) investigadores, pois classifica-os pelo tipo de regime contratual com que exercem funções, secundarizando a natureza da actividade (investigação). Faz tanto sentido como descrever um juiz como um "assalariado da justiça".
Os bolseiros podem-se distinguir segundo o tipo de bolsa que têm. Os BIC (bolsa de investigação científica) são licenciados e, independentemente da sua experiência ou competências, ganham 745 euros. Os BD (bolsa de doutoramento) têm em geral um excelente percurso académico e científico (não é fácil ganhar a bolsa!), são investigadores experientes e motivados, ganham 980 euros. O mesmo valor desde 2002, o que representa face à inflação acumulada uma perda de 18 por cento do poder de compra.
Pode-se argumentar que os bolseiros "estão em formação" e que "já é uma sorte estarem a ser pagos". Mas trata-se de adultos (uma licenciatura não se acaba antes dos 22-23 anos) com contas para pagar e legítimo direito à emancipação (ou um cientista tem que viver em casa dos pais?). E quanto à formação, creio que qualquer bom profissional está sempre em formação. Todas as carreiras têm fases e o doutoramento é apenas uma fase da carreira de um cientista.
Os bolseiros têm direito ao chamado "seguro social voluntário" - que é uma espécie de não sei o quê. Basicamente, a entidade que concede a bolsa paga contribuições para a Segurança Social, equivalentes ao salário mínimo. Este é o regime pelo qual estão abrangidas as pessoas que não têm rendimentos. Por que raio enfiaram os jovens investigadores aqui? Fazendo o Governo gala de integrar todas as classes profissionais no regime geral de Segurança Social, que coerência tem não incluir os bolseiros? Esta reivindicação tem sido sucessivamente negada pela tutela. Para que não haja dúvidas: os jovens investigadores querem ser integrados num regime de Segurança Social que outros grupos profissionais não querem porque acham que é mau!
Penso que é necessário criar a percepção social deste problema e da necessidade de evolução, começando pelos próprios investigadores e professores do quadro que trabalham com bolseiros que beneficiam do seu trabalho, com quem publicam artigos e escrevem patentes. Creio que seria de todo justo e adequado que os cientistas e investigadores estabelecidos tomassem pública e politicamente o partido dos jovens investigadores. A alternativa é continuar o choradinho da fuga de cérebros. Não há fuga de cérebros. Há expulsão de cérebros. Se não fazem falta, isso é outra história. Mas sendo assim, digam.
*Investigador em bioquímica. Bolseiro durante seis anos
2 comentários:
Parabéns pelo alerta para uma realidade para muitos (eu incluída) desconhecida.
É triste ver o alarido que a comunicação social faz quando um/a investigador/a, a trabalhar noutro país, é responsável por uma grande descoberta: "é português!!" Pois é, mas será que tem orgulho nisso? Num país de onde teve de "fugir" para conseguir fazer um trabalho digno?
Sabes Rosa, há muita gente a pensar quem trabalha em ciência tem uma vida cheia de emoções e um grande retorno financeiro. Infelizmente não é assim. São muito poucos os que conhecem as luzes da ribalta e menos ainda aqueles que vêem o seu trabalho reconhecido, não apenas pela comunidade em geral, mas até pelos seus pares. Isto já para não falar da questão das "verdadeiras ciências" e das "outras", as menos nobres e consideradas por alguns de segunda...
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